domingo, 9 de outubro de 2011

Glicação: carboidratos, proteínas e envelhecimento.


Glicação consiste em uma reação na qual pequenos carboidratos, como a frutose e a glicose, ligam-se covalentemente a um grupo proteico ou a um lipídeo sem a atuação de uma enzima. Diferentemente da glicosilação, a qual a adição de carboidratos a proteínas é controlada por ação enzimática, a glicação é um processo aleatório que prejudica o funcionamento das biomoléculas refletindo o processo de envelhecimento, pois afeta ácidos nucleicos e proteínas, como o colágeno, os quais, quando modificados, podem gerar erros funcionais ou estruturais no organismo.                  
A glicação é uma das primeiras reações em diferentes cadeias de reações complexas, as quais são as reações de base de Schiff, reações de Amadori e reações de Maillard; que levam à formação de produtos finais de glicação avançada (AGEs), ou seja, os produtos da interação entre o carboidrato e, no caso destacado,  a proteína. A mudança de carga da macromolécula devido à adição de carboidrato produzirá uma nova estrutura que apresentará uma conformação diferente da original, gerando as ligações cruzadas. Exemplos de sítios AGE modificados em proteínas são: carboxymethyllysine (CML), carboxyethyllysine (CEL) e Argpyrimidine .
Pode-se resumir essas reações da seguinte forma: a glucose reage com aminoácidos, peptídeos e grupos amino em proteínas podendo resultar em bases de Schiff, o qual pode resultar em produtos Amadori; a posterior degradação, como desaminação e hidrólise, destas estruturas pode criar produtos secundários,  os quais são semelhantes aos produzidos na oxidação lipídica, com uma reatividade muito semelhante ao de produtos avançados de oxidação lipídica (ALE). Essas modificações estruturais nas moléculas proteicas permitem a formação de  ligações cruzadas, ocorrendo também  polimerização com outros grupos amino de proteínas e ácidos nucleicos formando os AGEs, os quais geram perda quantitativa ou qualitativa das funções originais das estruturas que, quando acumuladas nas células e tecidos, estão associadas ao fenótipo e a doenças relacionados com a idade.
O papel do acúmulo de AGE e da glicação no envelhecimento acelerado pode ser resumidamente pontuado em três aspectos: radicais livres derivados dos intermediários das reações, como peróxido de hidrogênio e outros produtos nocivos, o aumento associado de inflamação crônica e as próprias ligações cruzadas. Além disso, a presença de AGEs em um tecido glicado pode provocar o aumento da produção de radicais livres quando comparado a um tecido não-glicado.
Algumas células do organismo, como células endoteliais, células músculares lisas, células do sistema imunitário, células de órgãos como pulmão, fígado e rim, sofrem um risco adicional devido à presença de AGEs, pois podem apresentar o receptor para produtos finais da glicação avançada (RAGE) que, ao interagir com AGEs, resulta na produção de citocinas que podem induzir a inflamação nos vasos sanguíneos, nervos, fígado e outros tecidos, a qual é comum em indivíduos senis, podendo estar relacionada a uma série de doenças características da idade que podem levar à morte.
A glicação ocorre a uma baixa velocidade, evidenciando o gradativo processo de senescência. Assim, células de vida longa, como células nervosas, e proteínas de longa duração, como colágeno, além do DNA, estão entre as estruturas mais suscetíveis a acumular danos consideráveis durante a vida por causa da presença de AGEs. Esse fato é melhor explicado devido à baixa eliminação de produtos glicados pelos rins, onde o fator de depuração renal dessas substâncias é de apenas 30%; assim, a meia-vida, ou seja o tempo necessário para eliminação de metade da concentração analisada como inicial, de uma macromolécula glicada dentro do corpo é cerca do dobro da vida média de muitas células e implica em maior tempo desses compostos em uma célula com longo tempo de vida. Células de elevada atividade metabólica, como as presentes nos glomérulos renais, as células da retina nos olhos, e as células beta, as quais produzem insulina, no pâncreas também apresentam alto risco de sofrer danos devido ao próprio ritmo metabólico, o qual propicia o surgimento de glicações com maior facilidade.
O organismo conta com a atividade do sistema imune para combater a glicação, pois alguns macrófagos apresentam receptores especiais para AGEs, o que os permite reconhecer estes compostos e fagocitá-los, degradando-os; os compostos resultantes desses processos de degradação são enviados para a corrente sanguínea, onde são filtrados pelos rins e eliminados na urina, algo que levaria muito mais tempo do que se ocorresse sem a prévia quebra desses compostos. Entretanto, com a gradativa queda na atividade ranal e imunológica, níveis de AGEs tendem a aumentar com a idade.
Estão sendo desenvolvidos inibidores de glicação e drogas que quebrem ligações cruzadas geradas por AGEs . Devido ao fato destes estarem relacionados com níveis elevados de açúcar no sangue; assim, uma dieta de restrição calórica também pode reduzir a carga corpórea de AGEs.

3 comentários: